sábado, 3 de fevereiro de 2024

Sobre Resiliência 'Descarolada.'

Quero deixar algo de material para meus filhos quando morrer? Claro! Sou humana, pagamos boletos, vivemos no Capitalismo. Entretanto, e, para além de bens materiais, o que me esforço para deixar para meus filhos é algo que, enquanto adulta, percebi que me foi deixado pelos meus pais.

Nada foi fácil! Aliás, nada está sendo fácil! Entre meus ascendentes não haviam herdeiros. Foi tudo no modo 'do it yourself,' 'já te ensinei a pescar, busca teu equipamento e vai à luta!'

Quais lições ficaram desse passado e que espero estar repassando? Não adianta reclamar, não adianta contemplar a grama mais verde do vizinho. Se você não tiver ação e resiliência, a coisa não vai!

Acerca do nome deste texto, chamei de resiliência 'descarolada' em uma alusão ao termo carola e um de seus significados, o de pessoa dada a repetir ladainhas, e também, por minha interpretação, 'quem muito espera, devotada, uma rainha coroada,' pela etimologia do termo. A resiliência não tem, dessa forma, características de ser passiva e queixosa como muitos podem entender. Ela é ativa e pragmática. Ela é 'descarolada.'  Pasmem, que, na pesquisa da palavra, observei que tem pessoas com esse nome! Imagine carregar o estigma desses significados... que sina! 

Nas coisas mais simples temos que ser resilientes. Quando peguei o notebook e a bateria estava baixa, haviam três carregadores para experimentar. O dele era o terceiro. Na vida, e não podemos nos impressionar com isso de forma a desistir, muitas vezes precisamos de um número bem maior e mais complexo de tentativas para alcançar nossos objetivos.

Pensei neste tema hoje por conta de estarmos instalando, pela sexta vez, nossa plantinha florida por causa do roubo de cinco anteriores. Lembro, num misto de tristeza e raiva, que a quinta era a mais linda de todas, um mix de cores que eu jamais tinha conseguido anteriormente e que me fazia ter um prazer matutino diário ao ver os botõezinhos a abrir que mais pareciam tulipinhas tropicais. A planta é vinca. Tomamos precauções adicionais que me entristecem, como amarrá-la de forma absurda com parafusos e tiras, para tentar desestimular futuros roubos.

Muitas lições estou podendo tirar de tudo isso: a maioria das pessoas não quer ter trabalho, seja na jardinagem, seja na vida. É mais fácil deixar o outro cuidar e depois só chegar e usufruir. Se queremos ter o prêmio do contentamento na vida, temos que fazer nossas plantações. Temos que sofrer com as perdas. Temos que nos decepcionar com as traições. Temos que ser resilientes e insistir. 

Ser resiliente é resistir às adversidades, é acreditar que vai dar certo, é entender que estamos no controle, é insistir! Nem a propósito, a natureza está sempre nos ensinando pois as tempestades vêm porém no tempo certo há a recuperação. Tudo o que vivemos é necessário, tudo é aprendizado, tudo concorre para o nosso desenvolvimento. Infelizmente, muitas pessoas perdem tempo e energia problematizando situações, sofisticando as dificuldades de forma que elas pareçam piores do que realmente são. O 'pegar leve' parece muito distante. Aqui, é sempre bom lembrar que, no fim desse filme nós morremos, portanto resista, plante e insista. um dia, cedo ou tarde, a vida lhe devolverá o investimento.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Die Traumdeutung

Galerie des Glaces - Palais de Versailles, France.

            Assim como os espelhos refletem nossa imagem, os sonhos refletem nossas verdades. 

A Interpretação dos Sonhos (Die Traumdeutung, no original alemão), considerada a mais importante obra da Psicanálise, está completando 124 anos.

Nesse período de tempo, inclusive pelas edições posteriores e as notas inseridas pelo próprio Freud, acumulando vivências e construindo outras teorias, ficou comprovada a imensa importância desse fenômeno psíquico chamado sonho, para a vida e a saúde mental. 

Não a toa, foi popularizado nas culturas e sociedades, meios simplistas e leigos de interpretar sonhos. Diferente do que foi propagado pelo senso comum, um sonho jamais será a previsão de um acontecimento futuro em nossa vida de vigília. Um sonho é, sobretudo, um percurso pelas emoções e significados da vida subjetiva de quem o sonhou, com sua história, desejos e aspirações. 

A interpretação do sonhos, enquanto técnica psicanalítica, conseguiu atravessar esses 124 anos, imprimindo um valor imensurável na terapêutica de pacientes em suas questões psicológicas ou mesmo mentais.

Através da interpretação de um sonho, podemos decifrar meandros do inconsciente e produzir insights (compreensões emocionais) de modo a resolver pendências afetivas importantes. Como resultado, alcançamos um estágio de calma e conforto, muito embora, algumas vezes, esse resultado seja a posteriori a uma condição de agudo desassossego.

Sabemos que em questões emocionais, não haveremos de querer o imediatismo, inclusive porque 'soluções' rápidas podem ser equivocadas ou falsas. Devemos e precisamos compreender que essa força coabita em nós: o inconsciente. 

Quando Freud formulou sua teoria, ele descreveu o sonho como uma realização (disfarçada) de um desejo (reprimido). Obviamente, hoje, não 'precisamos,' do ponto de vista psíquico, desse mecanismo descrito por Freud em 1900, da mesma forma que o criador da Psicanálise formulou. As cabeças estão mais abertas, porém, como temos as sociedades, as culturas, a religião, entendemos que pela simples existência destas, já podemos deduzir que ainda lidamos com inibições e repressões. Dessa forma, enquanto estivermos mais ou menos 'enjaulados' pela sociedade, estaremos necessitando, para produzir um certo equilíbrio psíquico, nos valer dos sonhos e de sua função terapêutica. Lembrando aqui que o que é recalcado, faz mal e promove doenças e infelicidade.

Observem que no sonho tudo é permitido. Não há limites, não há censura. O conteúdo que reprimimos acordados (porque é feio, porque não podemos dizer isso ou aquilo ou mandar determinada pessoa para determinado lugar), no sonho, é liberado. Muitas vezes, promovemos um certo equilíbrio e seguimos a vida por conta da função do sonho.

A Neurociência enquanto saber, desenvolveu-se ao ponto de transpor a característica de universalidade da ciência, considerando nossos cérebros tão distintos quanto nossas digitais porém, e até por isso, não há como desconsiderar o que sentimos. Inclusive, o sentir é, por vezes, soberano! Um viva para Freud e para a 'Die Traumdeutung.'