terça-feira, 24 de maio de 2016

Repressão: manifestações e 'graus'.


Será correto falar em 'graus' de repressão? Seríamos todos mais ou menos reprimidos? Depende do que utilizamos para responder essas questões.
Do ponto de vista pessoal, individual, subjetivo, poderíamos dizer que não; algumas pessoas, por sentirem-se interna e interiormente completamente livres (e essa é uma sensação, nem sempre um fato), podem não ser consideradas reprimidas. De outro ângulo, pensando que vivemos em sociedade e que apenas por esta razão não podemos fazer 'o que nos dá na telha', a resposta seria sim, somos reprimidos!
Mas como equilibrar esses supostos 'graus' de repressão a fim de não sacrificar a liberdade individual mas também permitir que possamos conviver com os demais? Em que momento se dá essa divisão que proporciona uma certa estabilidade no ser?
Mesmo sem perceber, todos nós temos impulsos sombrios armazenados bem no fundo, aqueles que não suportamos encarar e assim reprimimos por necessidade. É um processo inconsciente que concorre para o equilíbrio do nosso psiquismo; não temos consciência de que isso é feito, mas é essa 'repressão' que muitas vezes impede que enlouqueçamos.
Em nosso ser habita sentimentos contraditórios e muitas vezes inaceitáveis aos olhos dos outros, mas essas formas de sentir atuam para nos manter saudáveis psicologicamente, ou menos doentes. 
Em situação terapêutica, são esses conteúdos reprimidos, muitas vezes considerados culpados por sintomas que o paciente apresenta, que precisam vir à tona através de insights para promover a 'cura'. Às vezes esses conteúdos, aos olhos da consciência, são tão absurdos e inaceitáveis que atrapalham e retardam o processo de tornar consciente o inconsciente, objetivo último da análise.
Como exemplo, temos um clássico da clínica psicanalítica, o 'odiar a mãe'! Quão necessário, em muitos momentos, esse sentimento foi, mas quão abominável ele é, e por essa razão, tão difícil de assumir! Para amenizar, pensemos que em termos psíquicos, tudo se encaixa, tudo é analisado historicamente, tudo tem seu sentido e sua razão de ser.
A necessidade desses conteúdos reprimidos serem objeto da análise explica-se pela impossibilidade do sujeito de encontrar-se plena e totalmente caso isso não seja feito. Por esta razão, conseguimos identificar pessoas que muita vezes passam a vida em branco, pela dificuldade que têm em enxergar-se! É como se essas pessoas se utilizassem de um grande tapete onde, para baixo do mesmo, colocam todas as suas insatisfações não assumidas. São grandes atores, porém esquecem que sua única chance de realização emocional seria a de viver o único papel que realmente lhes cabe, a de seu próprio personagem.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

"Menos Uma".


Outro dia li algo, de um jornalista de meia-idade, lembrando-se de seu pai; este dizia, que cada vez que seu pai fazia a barba, o mesmo falava: 'menos uma'! Em princípio achei chocante, pois remetia diretamente à proximidade da morte, ou seja, cada vez que ela fazia 'mais uma barba', esta era 'menos uma' (na vida).
Num segundo momento, pus-me a pensar para achar um sentido naquela frase e percebi que não adianta fazermos 'o jogo do contente' em relação à morte, no entanto se tivermos a consciência bem tranquila em relação à nossa finitude, certamente teremos melhores condições para lidar com a irrefutável verdade da vida, a morte!
A vida é, como numa peça de teatro, feita de atos; alguns maiores, outros pequenos, porém todos com sua relativa importância. Os problemas começam quando passamos a valorizar atos mais importantes em detrimento dos menos importantes; os problemas começam quando começamos a confundir qualidade e quantidade; quando creditamos e deslocamos para o exterior, papéis que deveriam ser desempenhados por nós.
Convivemos hoje com muitos elementos alienantes, o que dificulta extremamente uma tomada de consciência do que realmente necessitamos. Satisfazemos desejos e logo os substituímos por outros, em uma corrida que não tem fim. Encarar nossa fatal finitude não precisa produzir desespero, ao contrário, pode nos ajudar a desenvolver uma espécie de habilidade para identificar o que realmente importa. Poderíamos assim aprender a valorizar apenas o que acrescenta o interior, desprezando as aparências.
A vida é breve e nunca se sabe quando ela findará, por esta razão, ela está sempre precisando ser atualizada. Precisamos checar as expectativas, os desejos, metas e objetivos pessoais. Precisamos avaliar se estamos vivendo por nós; se estamos desviando do que queremos, do que nos faz e fará bem. Precisamos aprender a discriminar 'o que é meu e o que é do outro', em relação à vontades; como não vivemos sós, em uma ilha, podemos ser influenciados por desejos que não são os nossos e corremos o risco de embarcar no navio dos sonhos alheios.
A questão que se coloca, a partir da reflexão da 'menos uma', é, que se a morte concreta acaba com nossa vida, a ideia de morte, pode nos ajudar a viver melhor!
"Tu tens um medo: acabar!
  Não vês que acabas todo o dia.
  Que morres no amor.
  Na tristeza.
  Na dúvida.
  No desejo.
  Que te renoves todo o dia.
  Na tristeza.
  No amor.
  No desejo." Cecília Meireles.

terça-feira, 3 de maio de 2016

O Tormento do Zumbido



"Se o meu zumbido não tem cura, como posso conviver com ele?"; "Sentir esse barulho é enlouquecedor"; " Não dá para viver assim, eu não tenho paz!". Essas são algumas das frases que ouvi quando tive a oportunidade de atender pacientes que sofriam dessa condição que atinge, no mundo, cerca de 278 milhões de pessoas, 28 milhões só no Brasil. Apesar de não ser considerado uma doença e sim um sintoma, o zumbido é considerado um grave problema de saúde por conta dos desdobramentos que ele provoca.
Zumbidos no ouvido podem ter várias causas, desde infecções ou lesões no ouvido até condições ambientais, onde pessoas foram expostas de forma prolongada ou contínua a sons acima de 85 decibéis. 
Condições de perdas auditivas cursam em paralelo com zumbidos de alta intensidade no ouvido, o que, em última instância, concorre para um desequilíbrio considerável do indivíduo acometido; falo aqui não só do equilíbrio físico propriamente dito (este está presente na quase totalidade dos casos, principalmente na fase inicial, do aparecimento do sintoma, quando o indivíduo ainda não se submeteu a nenhum tratamento,por conta do comprometimento do nervo vestibular, responsável pelo equilíbrio do corpo) mas também a nível psíquico, pois zumbidos no ouvido causam um desconforto tão grande, que muitas vezes só pode ser aliviado, quase nunca totalmente suprimido, por medicações neurológicas ou psiquiátricas pesadas.
Quais as implicações maiores dos zumbidos a nível psicológico?
Portadores desse sintoma vivem sob estresse contínuo! A título de comparação, lembre do quanto você fica perturbado quando exposto a um barulho externo, do ambiente, por algum tempo; se este tipo de barulho já incomoda, imagine ter que conviver, quase sempre ininterruptamente, com barulhos internos, vindos de sua 'cabeça', descritos como "barulho de motocicleta, barulho de cigarra, chiado, panela de pressão, cachoeira, etc...". 
Essa condição produz uma fragilidade no sujeito ao ponto de oportunizar o desenvolvimento de quadros psicológicos de depressão e ansiedade; pacientes com um grau de tolerância pequeno aos zumbidos não podem prescindir de tratamento psicoterápico contínuo a fim de ajudá-lo a conviver com essa situação tão adversa. Zumbidos promovem desequilíbrio e sofrimento; como têm um prognóstico reservado em relação à melhora e cura, esses pacientes precisam aprender a conviver e a serem felizes apesar dos zumbidos. É difícil mas não impossível; vai depender do grau de comprometimento psicológico do mesmo com a situação; vai depender do grau de entendimento do mesmo acerca das mazelas que nós, seres humanos, às vezes temos que conviver na vida.
Uma parcela significativa de portadores de zumbido parece querer sucumbir, inclusive não encontrando mais razão para viver e buscando o suicídio. Existem, nesse sentido, grupos de apoio a portadores de zumbido, nos moldes dos Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos. Nesses grupos, muitas vezes os pacientes conseguem descobrir uma razão para continuar, através da troca rica de experiência e pelo olhar de que não estão sós.