quinta-feira, 21 de março de 2013

Medicalização





"Vou tomar um comprimido". Já perdi a conta de quantas vezes ouvi essa frase, seja na ficção ou na vida real. Desde um "simples" comprimido para a dor de cabeça, até uma medicação para 'apagar'.
Cada vez mais nos distanciamos de nossos próprios recursos para trazer à normalidade uma situação, a vida, e buscamos fórmulas artificiais para superar as dores do dia a dia. As pequenas e as maiores. E o pior, as "administráveis" também.
É mais fácil pegar a bolinha e um copo d'água do que dar-se ao trabalho de tentar mudar "homeopaticamente", dando o tempo necessário para a "reforma" chegar.
A Medicina hoje, tão moderna, através de seus profissionais, tão 'dinâmicos', tem remédio para tudo. Quando não possibilita a cura, promove o disfarce. E assim vamos sustentando toda uma indústria - a farmacêutica - e vamos nos fragilizando na condução de nossas condições no binômio saúde-doença.
Nas questões emocionais, é onde mais vemos a aplicação de fórmulas mágicas desnecessárias.
"Tomei 3 g de lexotan"; "Vou tomar um tantinho de rivotril"; "Tomo só quando sinto necessidade" (o que é infinitamente pior, pois não promoverá mudança no quadro total). Uma vez, quando atendia crianças - hoje só atendo adultos -, atendi um menino que apelidou a mãe dele de "mamãe lexotan". Ainda tem isso, estamos expressando modelos o tempo todo, mesmo quando não queremos.
Em alguns casos a medicação torna-se necessária, até mesmo imprescindível, inclusive para tornar as pessoas acessíveis à psicoterapia, num momento posterior. O que é reprovável é a conduta, a ideia de que para tudo - e qualquer alteração - tem um remédio prêt à porter, sem dar chance à própria pessoa se (re)conduzir, comprometendo as possibilidades desta de lidar de forma mais natural com as dores da vida. Viver às vezes dói e não podemos à todo momento dispor de um remédio para as dores naturais da vida, as perdas, os sofrimentos. Abafar a dor, impedi-la de se manifestar, só posterga mais sofrimento. A medicalização da vida pode até anestesiar a dor mas perpetua a condição de doença.

O Tamanho do Quadrado




"Tamanho do quadrado" é uma expressão que uso referindo-me ao espaço que cada um de nós tem para transitar no mundo - o nosso -. 
Existem implicações quando saímos desse espaço abstratamente delimitado. Algumas positivas, outras nem tanto e outras ainda desastrosas.
Esse campo invisível perfaz tanto nosso mundo emocional quanto nosso mundo material. Nem sempre é fácil percebermos quando atropelamos a suposta realidade construída e caímos em uma cilada.
Na esfera emocional, o primeiro sintoma da "saída do quadrado" é o sofrimento. A angústia acompanhada pela percepção de que ultrapassamos nosso limite porque deixamos alguém fazer o que não devíamos jamais permitir, por exemplo. Conviver com o exagero, o abuso, seja de controle, de poder, de amor, (será?).
As pessoas vão se instalando em nossa vida e de repente, querem tomar um tamanho, um lugar, que nem nós mesmos conseguimos. Sustentar essa situação só nós expõe mais, nos fragiliza. Por um momento esquecemos de cuidar de nossos desejos, nossas perspectivas e deixamos alguém nos levar para onde não queríamos. O preço é alto e a volta tem que ser rápida sob pena de comprometermos nossas demandas mais genuínas. 
Sair do quadrado no sentido material poderia significar que estamos em um lugar que não nos pertence e que por alguma circunstância fomos parar lá.
Abraçar coisas que não damos conta, demandas mil, projetos que não nos seduzem, sonhos de outros, pesadelos nossos...
A noção do "tamanho do quadrado", ao contrário, nos protege. Nos ajuda a caminhar em direção à calma, ao sucesso, à harmonia, aos resultados positivos. Nos ajuda a encontrar o limite da nossa incompetência (aquele lugar que encontramos quando ultrapassamos o limite de nossa competência)  e não cair lá. Ajuda também a "escolher" no que devemos apostar, acreditar e excluir possíveis situações de risco. 
Da próxima vez que você se encontrar em uma posição na qual é exigida uma mudança drástica, fazendo você sair brutalmente de sua zona de conforto, pense duas vezes. Não estou sugerindo engessar na vida, mas como diz o ditado: "Cuidado e canja de galinha não fazem mal a ninguém". 


sábado, 16 de março de 2013

Pratique o Desapego



Há um tempo atrás, li um artigo na Revista Bem Simples, que falava sobre a necessidade (é isso mesmo, o termo está corretíssimo) que temos de descartar coisas que não mais têm lugar em nossa vida, para que ela - a própria vida - flua melhor. Faz sentido? À primeira vista, parece que não, mas é só refletir um pouco para acharmos de forma rápida a explicação. 
Gail Blanke, uma escritora americana mencionada no artigo, autora do livro "Jogue Fora 50 Coisas", preconiza que devemos nos livrar de coisas que de certa forma perderam a utilidade prática em nossas vidas, isto é, aquilo que temos e que não mais usamos por diversos motivos. Aquele livro que já lemos, as lembrancinhas de viagem, móveis que não cabem em nosso espaço mas  que mantemos porque foram da avó querida ou roupas que estão desprezadas seis meses no armário.
Praticar o desapego é algo difícil porque passamos uma vida "construindo" nosso baú, seja ele material, aquele onde guardamos as tralhas, seja o emocional, aquele que só nós temos acesso e que pode concorrer tanto para a nossa felicidade - quando as lembranças remetem à momentos felizes -, quanto para nossa infelicidade - quando, em um movimento contrário, guardamos os sofrimentos, as derrotas, as tristezas e as dores - .
O livro compara esse exercício do desapego à sessões de terapia, onde o material é trabalhado de forma a nos conduzir a superar traumas e desacertos passados que engessam nossa atitude no presente.
Além de ser um processo interior de muito valor, visto que arrumamos as estantes da alma, aquelas que nem a melhor faxineira dará conta, atualmente tem um que "ecológico", pois estamos passando em frente coisas que já foram usadas e que poderão ser reutilizadas por outras pessoas. Essa atitude corrobora o conceito de sustentabilidade.
A autora, Gail, orienta a divisão das coisas a serem descartadas em 3 sacos: Vender, guardar e doar. Sugiro que tentem abrir mão dos dois primeiros e concentrar no último, doar. Com essa atitude é garantido um bônus maior na ação, que é o imenso prazer de poder dar algo à alguém que será útil, sem nenhum ônus, à pessoa.
Só nós podemos fazer um mergulho em nós mesmos e acharmos o sentido de acumularmos determinadas coisas, materiais ou não. Sentir a função desse "armazenamento" em nossas vidas.
Para quem nunca descartou nada pode ser libertador, pois as melhores lembranças, estas devem ser guardadas em nosso interior, longe dos olhos - dos outros - e perto do coração - do nosso.

Pessoas Que Passam, Pessoas Que Ficam



Ps: Fiquei imensamente feliz quando "recuperei" este texto, publicado em meu blog antigo, de mesmo endereço, no dia 29 de maio de 2011. Consegui recuperar porque, fazendo uma arrumação em minha caixa de e-mail, reli o agradecimento da pessoa a quem me referia nessa postagem. A distância não consegue deletar pessoas importantes. Esta é mais uma prova cabal das  "pessoas que ficam" em nossa vida.

domingo, 3 de março de 2013

"I Do not Know What Their Parents Did"

               

                   "Não sei o que seus pais fizeram". A frase acima foi dita pela personagem de Julia Louis-Dreyfus, Elaine, de Seinfeld, quando dirigia-se à George, o complicado e super-neurotizado personagem de Jason Alexander.
              Comecei a perceber que estamos cercados de "Georges", pessoas que conseguem problematizar ainda mais o que já é problemático.
              Sempre refletindo naquela linha de que estamos aqui e agora para simplificar e não para complicar, penso na energia desperdiçada quando insistimos em maximizar nossos problemas, atribuindo-lhes características como "únicos", "sem solução" ou 'inéditos".
Nossa primeira tendência como ser humano é sempre olhar primeiro a dificuldade, o não, o perigo e tudo o mais que for negativo, antes de focar primeiro na tentativa de solução, no otimismo, nos recursos internos que todos nós temos e que podemos acionar quando precisamos. Parte desse funcionamento pode vir de lá, da infância, das primeiras experiências com nossos pais. Se estes eram reclamões, negativos ao estilo de "oh céus, oh vida, oh azar", como a pessimista hiena Hardy do desenho de Hanna Barbera, certamente ficamos afetados como George que arrasta correntes ao percurso da vida, fadado ao fracasso, o emocional, que é o pior de todos. Nesse caso, se ficamos marcados, temos que prosseguir na análise e construir nosso próprio suporte emocional, algo que nos dê força e nos habilite a reconhecer mas também suplantar as dificuldades que certamente aparecerão. Como???
               Ajuda entender que ter dificuldades é humano, que viver uma vida toda sem elas é que é incomum. Então, pensemos que fazemos parte da maioria, de uma quase totalidade e esse status de "pertenço a um grande grupo de alguma coisa" já nos fortalece. Não é porque estou passando por uma tempestade, perdi um amor, o trabalho não é legal, alguém não me entende, que o sol não nascerá. Ele continuará despontando para acariciar a minha pele se assim eu permitir. Entender de-fi-ni-ti-va-men-te que nada é para sempre, que podemos nos desenvolver, melhorar e que ficar reclamando só atrasa esse processo. Podemos identificar o que nos trava, nos engessa, e partir para o ataque, isto é, levantar, organizar, abandonar antigos hábitos que nos impedem de atingir nossas metas, e se não a tivermos, começar por aí, tentar responder a pergunta: "O que eu quero para mim?". As marcas que possivelmente tenhamos "pegado" de nossos pais são removíveis, e muitas vezes mais fáceis de remover que as de alguma tatuagem que tenhamos feito e que depois nos arrependemos. Aller au travail!

Nota: À propósito, quando estava buscando uma imagem da hiena Hardy para ilustrar este texto, deparei-me com uma frase que achei interessante "Livre-se da hiena Hardy dentro de você". Vanessa Versiani. Completando: "E do George Constanza também".