MAS NÃO AO
Em seu artigo 4º, o projeto de lei que institui o Ato Médico, prevê que constituem atividades privativas dos médicos a formulação de diagnósticos nosológicos e respectivas intervenções terapêuticas.
Alguns profissionais da Medicina, por força de suas especialidades, realmente estariam habilitados a prestar pareceres e diagnósticos em algumas áreas. Por exemplo, um Psiquiatra em tese estaria habilitado a reconhecer uma condição emocional passível de acompanhamento psicoterápico, um endocrinologista provavelmente estaria apto a diagnosticar um transtorno alimentar e indicar tratamento, mas nunca prescindindo dos profissionais reconhecidamente formados para, desde o diagnóstico, acompanhar esses pacientes, no caso psicólogo e nutricionista.
O projeto do Ato Médico caminha na contramão da história. Em 1988, muito se avançou no país na área de saúde, pelos princípios de universalidade e integralidade do SUS- Sistema Único de Saúde. A filosofia do SUS é perfeita, onde uma equipe multidisciplinar trata e cuida de um ser humano que é único como pessoa e ao mesmo tempo plural em suas necessidades de saúde integral. A troca de saberes específicos de cada área, acabaria por enriquecer o conhecimento de todos os profissionais envolvidos no processo, porém, respeitando sempre os limites mais absolutos de cada área. Assim ganhariam os pacientes, assim ganhariam os profissionais.
O Ato Médico anula por completo a noção da Psicossomática, visto que em alguns trechos, demonstra tornar a doença como algo estritamente orgânico, em uma visão reducionista do ser humano, entendimento ultrapassado desde 1939 quando esta - a Psicossomática - vem sendo cultivada no meio científico através de esclarecedores estudos sobre a multiplicidade de fatores envolvidos no processo de adoecimento.
Indiscutivelmente, a maior aberração do Ato Médico é realmente dispor que o diagnóstico nosológico e a indicação de um posterior tratamento sejam competências exclusivas de médicos. Esse é sobretudo um desrespeito à preparação de profissionais de áreas afins da saúde, que tiveram, tal como os médicos, sua formação criteriosa e específica em suas áreas particulares. O médico não pode ser considerado o dono do saber. Será que ainda não entendemos que não existe absolutismo quando nos referimos à 'ser humano'. Eu, se médica fosse, teria vergonha desse despropósito.
Para 'adoçar' o conteúdo do texto, na continuação do artigo 1º parágrafo 2º, dispõe que: "não são privativos dos médicos os diagnósticos psicológicos, nutricional e sócio ambiental e as avaliações comportamental, e das capacidades mental, sensorial, percepto cognitiva e psicomotora".
Essa lei pode influenciar inclusive aos pacientes que podem passar a uma condição de encolhimento, de um 'quase nada' em relação ao conhecimento de sua situação de saúde/doença. Nós da Psicologia, há muito sabemos e praticamos que o detentor do conhecimento sobre si é a própria pessoa que vive e sente. Nós funcionamos apenas como veículos, como instrumentos facilitadores para a 'cura'. Desconhecer isso chega a ser patético.
Em muito já tínhamos avançado ao admitir que médico não é Deus. Agora, com o Ato Médico, parece que o médico travestiu-se de deus. E infelizmente, com certeza, muitos maus usos serão feitos em nome dessa 'divindade'. É esperar e confirmar.
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