quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Mudanças de Ano Novo


A propósito do fim de ano, fico aqui pensando no balanço pessoal que sempre fazemos nessa época. Todos os dias compõem nossa vida. Não importa se estamos bem, se estamos mal, se estamos empenhados em algum projeto, se estamos alheios à existência, se é janeiro ou dezembro...
Fim de ano torna-se um momento chave por questões culturais; desde crianças nos foi ensinado que, ao findar um ano e iniciar outro, deveríamos refletir sobre a vida, traçar planos, desejar bons votos, enfim, mudar.
Muda o ano, nós mudamos. Mudamos no sentido de alterar antigos padrões, mudamos em direção a construir uma vida melhor. Nos planos, tudo maravilhoso. Mas, e na vida real?
Como a mudança de ano é uma simples convenção de nosso calendário cristão, é obvio que ela em nada contribui para as mudanças que queremos. Estas devem partir de nosso interior, caso contrário, ficarão apenas na vontade. Aliás, vontade é o que não pode faltar caso queiramos avançar; ação também, não. Pensar e falar não adiantam nada se não vierem acompanhados do fazer.
Convivendo com as pessoas, percebemos facilmente como a grande maioria emperra justamente nesse item. Somos muito bons em traçar planos mas somos um desastre em executá-los. Por conta de nossa inoperância, envelhecemos adiando nossos planos; conheço pessoas que passam uma vida inteira planejando e não percebem que o tempo está passando e nada de prático é feito para que esses planos e sonhos sejam efetivamente realizados.
A vida é uma preciosidade. Viver é fantástico. Temos nas mãos a oportunidade de criar, sonhar, reformar, construir e fazer. Primeiramente mudamos o discurso; finalmente mudamos as atitudes. 
Quando nos distraímos daquilo que realmente é importante e ficamos presos em detalhes, perdemos tempo e energia. Problematizamos, quando o mais assertivo seria descomplicar. Aqui insisto que o mais importante na vida são os afetos. De nada adianta dinheiro, poder, sucesso, se na vida não construímos afetos. Seremos vazios, sem ter na vida conseguido experienciar a felicidade que só os legítimos afetos nos proporcionam. 
A prioridade é viver, não somente existir. Para tanto, devemos avaliar nosso nível de satisfação nos diferentes aspectos da vida e paralelamente tentar entender o porque de não estarmos plenos. A partir do conhecimento da situação (e aqui não valer escamotear nada), podemos vislumbrar como melhorar. Sem farsas, sem meios-termos, fazendo um mergulho no eu para encontrar nossas verdades.
Quando neuroticamente nos enganamos, mais distante ficamos do que realmente queremos. Que esse seja nosso principal plano. Dele certamente virão as desejadas e necessárias mudanças.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Anorexia Sexual


Tão devastadora quanto o vício em sexo, é a fuga compulsiva por intimidade e sexo, 'sexual anorexia', em Inglês.
Desde 1975, já falava-se nesta condição, embora apenas em 1997, o termo ganhou destaque com o livro do  mesmo nome, do psicólogo americano Patrick Carnes, pioneiro no estudo das patologias do sexo, que ousou dedicar-se  a estudar um tema tão complexo e diversificado como a sexualidade humana, criando um Instituto de Tratamento para essas patologias, o International Institute for Trauma and Addiction Professionals, na Flórida, EUA.
Quem sofre dessa condição acaba por comprometer toda sua vida afetiva, pois o medo de relacionar-se sexualmente leva ao afastamento das pessoas e ao consequente impedimento da construção de relacionamentos.
Criar parâmetros para a dita 'normalidade' no campo da sexualidade humana sempre foi muito difícil, tanto é que apenas em 2013, passou a figurar no DSM (Manual Estatístico das Doenças Mentais), um CID (Código Internacional de Doenças) para transtornos sexuais de forma mais específica.
Rótulos e classificações à parte, o que para a Psicologia sempre foi secundário, o que interessa aqui é o estrago em nível emocional causado aos acometidos por essa condição.
Quem 'sofre' de evasão sexual, foge da vida! É esse o aspecto mais danoso que se observa.
Como seres humanos, somos projetados para agregar; dessa forma, fica impossível isolar o sexo de uma vida 'normal'. O sexo faz parte da vida tanto quanto a afetividade. Claro que seu desenvolvimento não se manterá em um continuum ao longo da vida, por inúmeras razões físicas, emocionais e contextuais, porém, espera-se que o sexo seja incluído na vida desde a adolescência e se situe até a velhice, resguardadas as diferenças individuais.
O desenvolvimento de situações de anorexia sexual podem se dar em idade precoce, quando já existe uma dificuldade de trocar com seus iguais. Educação repressora pode estar envolvida nesse processo. Pais que tratam o sexo envolto de pudor com seus filhos, que não se permitem em nenhuma medida conversar sobre o assunto de forma natural, podem estar contribuindo para a instalação do quadro no futuro.
Indivíduos com 'anorexia sexual' (o termo apesar de ter sido cunhado por um especialista da área eu o uso como ilustrativo), têm tendência ao isolamento, à baixa autoestima, à ansiedade e à depressão. O contato corporal, para esses indivíduos, é assustador. Seu embotamento emocional não lhes permite construir relacionamentos saudáveis, nestes necessariamente incluído o aspecto sexual. Não conseguem construir uma intimidade, passam a maior parte do tempo solitários e possuem interação social diminuída. Mesmo quando estão em situações sociais obrigatórias, como estudo ou trabalho, não interagem normalmente com os demais.
As implicações futuras na vida dessas pessoas são dramáticas. Algumas delas, pela falta de tratamento adequado, podem passar a vida em branco. Quanto mais cedo observado o problema e mais rápida a intervenção pela psicoterapia, menos sofrimento provocará.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O Preço Que Se Paga



Por mais paradoxal que pareça, exercer a autenticidade hoje em dia não está fácil. Uma onda reacionarista está assolando muitas mentes atualmente!
Uma grande maioria, historicamente falando, sempre teve dificuldade em aceitar ou mesmo sequer validar o diferente. Diferente do que se pensa, diferente do esperado, diferente do planejado. Poucos são os que apresentam uma facilidade à flexibilidade. 
O que estaria, em termos psíquicos, envolvido nessa dificuldade? De uma forma bem exagerada, do ponto de vista psicológico, mas nem tanto exagerada, quando observamos situações reais, diria que, quem não aceita uma opinião diferente da sua, sente seu ego agredido. 'Se o outro não concorda comigo, quem sou eu'? 
Exagero maior são de certas pessoas, ou 'categorias de pessoas' (sim, isso existe!), que tentam impor seu modus vivendi aos outros, querendo que os demais sigam seus modelos. Não, infelizmente, isso não é fantasia nos dias atuais, é realidade! No campo pessoal, na política, na sexualidade, na educação. Triste ver a informação ter ficado tão acessível, ao alcance de (quase) todos, e muitos preferirem beber na fonte da ignorância e do preconceito.
A Psicanálise por vezes se vale de alguns conceitos para jogar luz nessa complexa questão. Quem discorda e critica o modo de viver dos outros e se sente à vontade para ditar regras em uma vida que não é sua, demostraria ter muitas questões mal resolvidas no seu próprio eu. O fracasso na condução de uma vida feliz, a incompetência em gozar (não estritamente no sentido sexual), seria a origem da preocupação para com a vida alheia e o consequente distanciamento de sua própria vida. Em um movimento contrário, parece que quem está bem consigo mesmo, quer que o outro também esteja, não importando como este exprime suas opiniões, suas escolhas, e o jeito que ele vive sua vida. Nada do que o outro faz com a vida dele é alvo de criticas quando se está bem consigo mesmo.
Problemas maiores existem quando as pessoas querem ser autores de uma vida que não é a delas. Não conseguem respeitar o direito que cada um tem de viver a sua vida como bem quiser e entender. Pessoas assim, na verdade, escondem uma incapacidade de gerenciar e administrar construtivamente suas emoções; projetam na figura do outro o descontamento provocado por essa incapacidade sob forma de necessidade de controle de tudo e de todos. Assim nascem os preconceituosos, os machistas, os autoritários, os poderosos.
Um triste fim é anunciado para seres assim. Ao passarem uma vida escondendo suas fragilidades e limitações, aquelas, que todos nós, os seres humanos, temos, afastaram delas as pessoas, pois ao não encarar o diferente, sobrou à elas apenas o igual, elas mesmas! Nunca podemos esquecer que, para que eu me constitua como 'um', necessito da oposição do 'outro'; caso contrário, a solidão será minha única companheira no futuro.

sábado, 12 de setembro de 2015

Cuidar Para Não Acabar



Relacionar-se afetivamente com alguém nunca foi fácil. Acho que ninguém nunca disse ou até mesmo imaginou isso. Existem alguns elementos que, para o bem dos envolvidos, deveriam estar presentes na relação. O básico do básico é o respeito. Parece simples, por ser básico, fundamental, mas não é. Aí já podem começar a se estabelecer dificuldades. Para que uma pessoa possa respeitar a outra, é necessário que ela primeiramente respeite a si mesma, porém algumas pessoas não vivenciaram situações propiciadoras a desenvolver esse autorrespeito. Por não conseguirem estabelecer limites para si próprias, passam por cima da outra feito um trator desenfreado. 
Entre outros elementos fundamentais para um bom relacionamento estão a cumplicidade, a capacidade de colocar-se na pele do outro, a aceitação irrefutável que não somos modelos (padrões) a que o outro deve seguir, a capacidade de reconhecer erros e exageros, a valorização do outro. Bem, esses são alguns dos elementos que considero imprescindíveis, porém se fosse discorrer sobre tantos outros necessários para um bom e saudável relacionamento afetivo, escreveria um tratado!
Tenho me defrontado hoje na prática clínica com situações que bem ilustram o funcionamento inadequado das pessoas nos relacionamentos. Parece que algumas sofrem de uma espécie de 'perda de sensibilidade'. Neste ponto, cabe perguntar, será que alguma vez essas pessoas desenvolveram 'sensibilidade', pregressamente ao relacionamento?
Prefiro pensar que em se tratando de relacionamentos, somos todos responsáveis; há que se considerar a possibilidade de não termos sido suficientemente assertivos para identificar que estávamos diante de alguém que, por ainda não ter 'se achado' enquanto pessoa, facilmente 'se perderia' em uma relação.  Se a resposta for não, ou seja, se essas pessoas antes do relacionamento já se portavam como pessoas frias, que suprimiam e embotavam seus sentimentos, o que esperar delas agora em uma situação mais complexa, como é a de relacionar-se com outro? 
O que fazer diante de uma situação assim? Quanto de  distância uma relação comporta para ainda ser considerada relação? 
Contraditoriamente, em uma relação há que se ter também um certo distanciamento do outro para que o eu não se anule, não morra. Caso contrário, apreciaríamos o que não se deseja, o domínio de um sobre o outro e a descaracterização do último.
Passarinhos verdes não surgem todos os dias, como adultos sabemos (ou deveríamos saber) disso. Sugiro propor uma terapia ao outro e a si mesmo quando se  está diante de uma situação assim. Creio ser impossível um dar conta das questões anteriores mal resolvidas de ambos. Ao tentar fazer isso, intensifica-se o grau de complicação da mesma. Não damos conta e, o relacionamento doente que teria uma chance de reverter-se para um relacionamento saudável, certamente morrerá de vez.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Shhhhh...



Como o silêncio é importante, senão fundamental, para o equilíbrio emocional!
Passei alguns meses morando em um prédio no 26º andar (este dado é importante devido o som se propagar para o alto), cercada por três obras em etapas diferentes de construção e foi, sem sombra de dúvidas, o pior lugar que vivi em toda a minha vida!
Já pela manhã, às 7, começavam as marteladas e serras da obra frontal à sacada; a que a meu ver, perturbava mais, em função de sua fase inicial e também em função do desrespeito a horários; esta se estendia invariavelmente até as 19 h com os trabalhadores se utilizando de uma lâmpada para trabalhar, o que registrei inúmeras vezes em fotos.
Por usar minhas manhãs comigo, para estudar, escrever, descansar, relaxar, arrumar a casa, trabalhar imagens que uso em minhas páginas etc, minha tortura era imensa, pois tinha que fazer isso em meio à vários decibéis de burburinhos de construção civil.
Ao voltar à minha casa, onde, embora próxima à uma movimentada avenida, consigo desfrutar de um silêncio inigualável (que, diga-se de passagem não veio 'de graça', visto que no passado fui obrigada a travar duas brigas, uma com um grande hotel e outra com um grande banco, que teimavam em nos premiar com o barulho ensurdecedor de seus geradores de energia), reafirmei a necessidade do silêncio na vida.
Não vivemos em uma ilha deserta, portanto, com algum nível de barulho temos que apreender a conviver, no entanto, desenvolver um trabalho que exige pensar, em meio a sons diversos e altos, é inviável. Implica em comprometer consideravelmente a qualidade de vida, implica em abrir portas ao estresse.
Não somos monges budistas, portanto, não exercemos cotidianamente o exercício da contemplação, mas precisamos de um mínimo necessário de paz em momentos que exigem um mínimo de concentração.
Pensando nas relações cotidianas, observo que muitas vezes somos afetados por níveis mais altos na comunicação com outras pessoas, para não dizer, gritos. Seriam estes realmente necessários? Qual a razão de elevarmos o tom da voz? Será que o ouvinte de nossos gritos os apreciam?
Penso que não! Na educação de crianças, por exemplo, quando o grito é usado, denota quase sempre a incapacidade dos pais em promover uma escuta eficaz, pré-requisito de uma boa comunicação.
Crianças que foram criadas a base de gritos, invariavelmente serão adultos bem treinados para gritar com quem apareça à sua frente, nas mais diversas situações. Tornam-se pessoas pesadas, arrogantes, autoritárias, ou, pelo menos, passam essa imagem, afastando os outros delas.
O silêncio é nobre em nossa vida. Organicamente falando, precisamos dele. Nosso cérebro precisa alternar estímulos e um certo estado de latência proporcionado pelos momentos de silêncio.
Nossos relacionamentos precisam do silêncio. O silêncio que, contraditoriamente, é o momento de ouvir a si próprio e fazer-se escutar pelo outro. Nunca deveríamos privilegiar o barulho. Nunca! O mundo lá fora já nos proporciona isso com  maestria. No trânsito, nas obras,  nos 'donos da verdade'.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Falsa Imagem



Quem nunca ouviu falar no ditado 'as aparências enganam'?
Existem pessoas que parecem viver em um mundo paralelo, em uma eterna fantasia construída por elas e que as levam a dimensionar um mundo extremamente particular, interno e neurótico. Mundo este onde elas criam as regras e comandam o jogo. Essas pessoas pensam que 'trocam' em sociedade com outros indivíduos, porém, como vivem em um mundo falso, em uma falácia, não há troca de nenhuma espécie.
Porque existem pessoas que vivem assim? O que elas buscam? Será que têm consciência do que esse eterno teatro representa em suas vidas?
Quem precisa falsear uma imagem não está emocionalmente nada bem. Quem vive de aparências, esconde-se de si mesmo, vive na mentira. Pessoas assim sofrem de baixa auto-estima caracterizada pela necessidade de agradar. Quando temos uma personalidade bem construída, a auto-estima em nível confortável, pouco importa a opinião dos outros acerca de nossa vida. Se as pessoas sentem que precisam demonstrar um modo de funcionamento na vida exterior, é porque o interior não está fluindo normal, a contento. 
O que se demonstra hoje está muito em evidência. Há que se ter um certo equilíbrio a fim de não valorizar excessivamente a exposição para não causar conflitos ao eu. Hoje vivemos em um mundo absurdamente visual, o interior parece estar sendo menos valorizado pelas pessoas. Esse distanciamento certamente nos afastará de nossas verdades, pois enquanto nos preocupamos em demonstrar algo, nos perdemos em nós mesmos.
Em níveis mais graves, viver de aparência pode se transformar em um distúrbio, quando inicia-se uma confusão entre o verdadeiro eu e o falso, o apresentado aos demais.
As únicas pessoas que vivem felizes com as aparências são os atores. Estes sim, quanto mais conseguirem representar papéis variados, mais sucesso significa que eles terão; quanto mais versáteis nas aparências, melhores os resultados de seus trabalhos.
Na vida, é diferente. Quanto mais falsas são as pessoas, quanto mais elas viverem de aparências, mais infelizes serão; quanto mais se importarem com a opinião alheia, mais hipócritas funcionarão, pois terão que, desmedidamente criar personagens fictícios para agir conforme o que elas acham que lhes estão sendo exigidos no momento.
Viver de aparências custa caro. Não um custo financeiro, mas sim um enorme custo emocional. A vida é curta, é um sopro. Rápido acumulamos anos, rápido envelhecemos. Questione-se se vale a pena utilizar esses anos com meias-verdades, com personagens inventados, com tantas máscaras. Admita suas fraquezas, suas insatisfações. Encare suas frustrações. Trabalhe-as! Supere-as! Seja você mesmo! Com a dor e a delícia de ser o que é! (Parafraseando Caetano Veloso). 

domingo, 24 de maio de 2015

Mudança



Quem já sentiu vontade de sair da condição atual que está vivendo e 'partir pra outra'? Outra casa, outro trabalho, outro amor... e muitas outras coisas que normalmente mobilizam o ser humano em direção à uma vida melhor?
O primeiro passo deve ser identificar a situação em que se encontra a fim de evitar equívocos. Algumas condições podem ser mudadas mais facilmente, sem muitas implicações, mas algumas mudanças significam alterar estruturas mais profundas e impactam na vida já estabelecida.
Para que não haja arrependimento posterior, cabe refletir com muita calma e cuidado sobre as necessidades da mudança. 
Quando vivemos situações aversivas que assolam a vida, a rotina, nos sentimos impulsionados a mudar, porém como mudar radicalmente e sair da condição de acomodação?
Muitas vezes o que pensamos ser uma crise passageira configura-se em infelicidade permanente. Precisamos discriminar 'quem é quem' nesse processo. Identificar se é um incômodo momentâneo ou se estamos em uma condição desfavorável a nós anos e anos, arrastando a situação até o limite do insustentável, dessa forma nos violentando.
Não podemos esquecer que esse movimento psíquico de aguentar tudo, engolir as adversidades nos leva às maiores ciladas, inclusive ao desenvolvimento de doenças. O tempo de vida é limitado, não deveríamos desperdiçá-lo com o que não nos acrescenta positivamente, não deveríamos 'jogá-lo pela janela'. 
Muitas pessoas nessa situação passam os dias reclamando para si mesmas, porém em nada empreendem uma mudança. Têm medo. Mas, o que é pior do que se sentir oprimido pela infelicidade? Qual o preço a pagar? Por que o medo tem que ser maior ao desejo de mudança?
Estaríamos anestesiados com medo do que consideramos ser uma ousadia, a tentativa de mudar?
Quando nos encontramos em uma situação desfavorável, as tentativas sempre valem; sem elas, não há chance de alteração da situação. Este deve ser o foco, o ponto de partida; aos poucos, vamos pensando, tateando, visualizando as possíveis chances de mudança. Sair da condição de engessamento é difícil, porém nunca impossível. Reclamar, para si ou para os outros de nada adianta. As mudanças estão adormecidas dentro de nós. Só nós podemos despertá-las. Assim sendo, avante! 

quarta-feira, 25 de março de 2015

O Amor E Suas Dores



Invariavelmente chega à terapia alguém sequelado de amor. Alguém que, afetado por suas histórias de amor, convive com marcas profundas que o impedem de viver afetivamente de forma saudável, entendendo aí o 'saudável' como algo que flua sem provocar qualquer tipo de sinal que indique sofrimento para os envolvidos.
Sim, porque quem convive com marcas de amor projeta e contamina o par com suas mazelas, seu amor machucado. 
É ponto indiscutível que as pessoas realmente têm uma tendência a complicar. Primeiramente porque não falam; preferem criar 'jogos', disfarçar. Quanto mais mal-resolvida for a pessoa, maior sua necessidade de camuflar sentimentos e consequentemente maior será a dificuldade de ter êxito na relação. As pessoas sequeladas desenvolvem medos irreais, além dos reais que carregam em seu repertório de relações amorosas que fracassaram.
O maior erro que uma pessoa pode cometer no âmbito amoroso, é confundir as histórias, misturar os personagens. Cada nova história trás um novo personagem e se assim fosse sentida, as dificuldades amenizariam. Ao contrário, se já entra-se em um relacionamento com um 'kit' de pré-conceitos, de pré-noções, de fantasias negativas acerca do amor, tudo ficará extremamente comprometido.
A terapia é um instrumento muito eficaz para trabalhar essas mazelas de amor. O caminho inverso, produz resultados contrários. Quanto mais afastada da compreensão de seu funcionamento em seus relacionamentos amorosos a pessoa está, mais difícil será ela conseguir se relacionar assertivamente no âmbito amoroso. Perdem-se tempo e chances. Oportunidades e histórias.
As sequelas do amor podem ter origens mais recentes, mas também mais remotas. Podem estar ligadas ao objeto amoroso/sexual mas também podem estar ligadas a situações da infância, quando o indivíduo ainda não tinha desenvolvido nenhum interesse amoroso/sexual por qualquer objeto de amor. Parece estranho aceitar que a forma como amamos, como nos relacionamos com nossos pares afetivos, está diretamente influenciada pelas situações vividas em nossa infância, pelo relacionamento de nossos pais ou de pessoas próximas, pela forma como nos ofereceram (ou não, tanto pior) amor?
Diante da complexidade da situação, assim que a pessoa percebe que existe uma dificuldade nesse âmbito, uma sensação de inadequação, um sinal claro que as 'coisas' não estão dando certo no âmbito afetivo, que histórias fracassadas estão se repetindo, ela deve logo buscar ajuda profissional, a fim de identificar, trabalhar e tratar esse emaranhado de sentimentos que a conduziu a este estado. A vida, em função da celeridade do tempo, insiste em trazer urgência a tudo. No amor, não é diferente. Urge viver, urge amar, urge ser feliz.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

'Saídas' Aparentemente Irracionais



O Pensador, de Auguste Rodin, exposta nos jardins do Museu Rodin, em Paris.

O que é racional para o psiquismo? 
Um olhar superficial não consegue captar o que há envolvido nas complexas necessidades psíquicas do ser humano.
Na superficialidade, na precipitação das interpretações do funcionamento psíquico, não se consegue entender os meandros do ser em sua totalidade.
Somos impulsionados pelos desejos e estes, pela sua realização, promovem um certo equilíbrio em nossa vida. Para a promoção deste 'certo equilíbrio', estabelece-se a necessidade de reduzir a tensão do psiquismo. É como uma equação onde, através de esforços do 'eu' para combater a insatisfação, chega-se ao equilíbrio mental, fundamental para uma determinada localização do sujeito na vida.
Muitas vezes cegas em relação ao próprio funcionamento, as pessoas fazem coisas sem entender a motivação destas, ou seja, o que realmente as moveram em direção à essas coisas, o que estaria 'por trás'.
Quando se age dentro de um certa 'normalidade', infelizmente normalidade entendida aí como algo esperado pela maioria das pessoas em sociedade, aparentemente tudo vai prosseguindo bem. Será?
Parece difícil compreender que o 'mental' tem razões muito próprias, particulares. Isto significa dizer que, muitas vezes o que se espera desse sujeito e que ele acaba correspondendo por inúmeras razões, a maioria delas 'culturais', é o que justamente o violentará!
Para promover aquele necessário equilíbrio a que me referi, o psiquismo luta incessantemente, de forma muito assertiva, para promovê-lo. Daí que, neste cenário, de, digamos assim, luta pelo equilíbrio, surge o que chamei no título deste texto de 'saídas' aparentemente irracionais.
Aparentemente irracionais, porque de irracionais elas não têm nada! Muito pelo contrário, movido por suas muito particulares, até mesmo peculiares, necessidades, o psiquismo acaba encontrando uma maneira inteligente de subverter a 'ordem' estabelecida.
Nesse contexto de aparente desordem é que surgem os sintomas. Eles vêm para mexer com uma estrutura falida; falência entendida aqui como a incapacidade de enxergar de forma tranquila as ciladas em que esse sujeito envolveu-se. Neste momento, a pessoa necessita de que algo aponte que a vida não vai indo bem. A nível individual, próprio, subjetivo, íntimo. Não aquele 'indo bem' aparente, que os outros esperam e muitas vezes involuntariamente cobram. Decididamente, não viemos a este mundo para agradar ninguém mais do que a nós mesmos!
Assim criam-se os 'bastas'! Quantas vezes verifiquei na prática clínica, o funcionamento das pessoas pedindo inconscientemente um grito de misericórdia, entendido precipitadamente como 'um pedido de ajuda em uma situação de desespero', mas que, recorrendo ao entendimento em hebraico, original, significa 'um pedido que vem do fundo da alma'.
Sem essas saídas extremamente imprescindíveis do funcionamento psíquico, o ser humano estaria à deriva, em um completo caos existencial. A famosa escultura O Pensador, de Auguste Rodin, expressa a dualidade entre a racionalidade expressa pela 'pose' clássica do homem meditando, no entanto também nos mostra esse mesmo homem lutando ao apreciar suas verdades internas, essas sim, poderosas, soberanas. Como bem colocou Suzanne Leal, sobre a racionalidade exagerada, aquela que embota o ser, engessa-o, de forma a não conseguir viver de forma 'ecológica' consigo mesmo: "A racionalidade exagerada é nada menos que a neurose muito bem disfarçada. São as nossas máscaras que criamos para nos esconder de nós mesmos". A boa notícia é que, felizmente, mesmo que seja com dor, essa situação não durará para sempre, um dia ela será alterada por um sonoro 'basta'!.



quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Expectativas Erradas Sobre A Psicoterapia




Terapeutas não possuem varinha de condão. Elas só existem nas estórias infantis!
Apesar de todo adulto conhecer essa realidade, não é raro nos defrontarmos, na prática clínica, com pessoas que esperam verdadeiros milagres do processo psicoterapêutico.
Embora, logo quando percebida, essa fantasia deva ser trabalhada pelo terapeuta a fim de minimizar os riscos de comprometer todo o futuro trabalho a ser desenvolvido, alguns resistem em admitir a verdade criando expectativas erradas, muito além das possibilidades.
Ao submeter-se à terapia, o paciente deve entregar-se ao processo ao ponto de não se preocupar com os resultados. Estes ficam para depois. É como fazer uma viagem onde você, antes de chegar ao destino, curte o trajeto, a paisagem.
Criar expectativas rígidas e demasiadas é uma atitude arriscada em todas as áreas da vida. Aciona-se de imediato a ansiedade que tudo atrapalha. Ao fechar em um determinado propósito, automaticamente outros tão e talvez mais interessantes são anulados.
Ao chegar à terapia, invariavelmente o paciente apresenta queixas (quase sempre no plural); queixas essas muitas vezes frutos de uma vida inteira de não-observação sobre si mesmo. Chega-se 'ingênuo' acerca de seus movimentos psíquicos, seus desejos, seu funcionamento emocional. Este 'desconhecimento', esta falta de atenção acumulada, só fez com que a pessoa represasse várias expectativas de mudança em sua vida. É uma 'necessidade' em resolver uma 'vida' de uma hora para outra. Como se fosse possível dormir hoje de um jeito e acordar amanhã de outro, totalmente diferente.
Dependendo da abordagem utilizada pelo profissional, metas são traçadas de forma mais objetiva, intencional, ou totalmente despretensiosa, por assim dizer. É como se chama em Psicanálise um 'devir', algo que chegará, e, sem pressa, apresentar-se-á, aparecerá, surgirá. 
Claro que tratadas da segunda maneira, as chances de empobrecimento das descobertas das problemáticas diminuem absurdamente; lida-se com mais liberdade, com menos pressão.
Embora hoje preze-se pela urgência em tudo na vida, inclusive nas terapias, aí estabelece-se um erro ao optar pelo excesso de direcionamento. Há que se deixar acontecer, delimitar os acontecimentos. Por esta razão que o número de sessões psicoterápicas deve ser determinado no estilo 'nem muito nem tão pouco'; não é 'terapêutico' menos que uma sessão semanal (seria uma apresentação de notícias), nem diariamente (algo tem que acontecer na vida entre as sessões para ser trabalhado, para dar um encaminhamento).
Fazer terapia é um processo de (re) descoberta. Do mundo (da pessoa, de seu 'mundinho' interior), da vida (em sua simplicidade e complexidade, em seus contrastes), e da extensão de tudo isso. É um desafio que vale a pena, porém reconheço, não é para todos e, assim como a vida não é um mar de rosas, fazer terapia não é, definitivamente, sentar em uma poltrona delas.

  

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Pessoas Cronicamente Infelizes



Todos nós temos dias bons e ruins. Faz parte de nossa trajetória na vida experienciar oscilações de humor, de contentamento e da sensação daquilo que chamamos felicidade.
Contudo, existem pessoas que parecem predestinadas a serem infelizes. Elas sentem-se sem perspectiva, como se algo de ruim sempre as cercasse. Apresentam dificuldade em discriminar que, em meio à situações negativas, entrelaçam-se também situações positivas.
Não há como passar na vida incólume aos sofrimentos. Estes fazem parte do viver. Viver, aliás, implica riscos e estes potencializam a chance de sofrimento. Mas, o que vem a ser sofrimento? Como conceituá-lo, como identificá-lo, como superá-lo?
Sofrimento vem a ser algo que produz determinado nível de insatisfação acompanhada de dor emocional, seja em forma de angústia, seja em forma de tristeza.
A capacidade de lidar com os inevitáveis sofrimentos da e na vida, indicam o nível de felicidade de uma pessoa.
Ao entender os percalços do caminho, ao descobrir maneiras assertivas de lidar com a dor, conseguimos nos fortalecer e diminuir o olhar atento e focado naquilo que nos atinge desviando para situações positivas que sempre existem mas que a visão turva não deixa identificar.
Não sugiro entrar em um jogo neurótico fingindo que a vida é um mar de rosas, onde tudo é lindo e maravilhoso. De maneira alguma! O segredo é assumir as dificuldades e tentar superá-las com os recursos disponíveis, lembrando que os mais eficazes são os que estão mais à mão: Os nossos próprios recursos internos, nossa capacidade de reação às dificuldades.
Pessoas cronicamente infelizes, se não têm motivos para se sentir assim, os criam. Se os têm, elevam à quinta potência, vestem a capa de vítimas eternas e assim seguem a vida. Não perdem uma oportunidade de exercitarem qualquer ação que concorra para sua baixa auto estima a fim de perpetuar sua condição de eternas almas desamparadas. 
É difícil assumir seu movimento psíquico, enxergar além das intermináveis queixas, fazer o 'jogo do contente'. 
Pessoas infelizes têm imensas dificuldades de relacionamento; com as pessoas e com o mundo que as cercam e que as envolvem. Ao perderem a chance da troca emocional com seus pares (os outros seres que aqui vivem e também sofrem, e também amam, e também se decepcionam, e também são felizes...), criam um mundo empobrecido emocionalmente falando, criam uma armadilha para si mesmas onde presas ficarão até despertar para a realidade que a riqueza da vida está na sua globalidade e seus contrários, uma vida onde existe sim dor e tristeza, mas também existe prazer e alegria.